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Boletim Materiais de Construção nº 435
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Bolha imobiliária?

Todos temos consciência que o aumento dos preços da habitação em Portugal atingiu proporções muito elevadas e até surpreendentes, que vão muito além do crescimento significativo dos custos da construção, em particular da componente de mão-de-obra.
Os efeitos ao nível social são já evidentes, tendo regressado o “fantasma” da dificuldade de acesso à habitação que se julgava afastado desde o final dos anos 90 do século passado, que afeta particularmente os jovens e os imigrantes que chegaram em grande número para trabalhar no turismo, na agricultura, na indústria, nos serviços e na própria construção.
O fenómeno dos preços da habitação, apesar da inflação recente dos preços dos terrenos, tem muito menos a ver com os custos do que com o desequilíbrio entre a procura e a oferta no mercado imobiliário, até porque mais de 75% das casas vendidas nos últimos anos são usadas. O problema persiste já ao fim de alguns anos porque a procura não abranda e a oferta tem revelado muito pouca capacidade de resposta, seja por dificuldades de financiamento adequado, morosidade no licenciamento, escassez de terrenos ou, principalmente, porque não há mão-de-obra para executar rapidamente as obras projetadas.
Mas não são só os preços de venda, as rendas também subiram na mesma linha e, apesar do enorme stock de habitações não utilizadas, verifica-se que os proprietários resistem a colocá-las no mercado, sobretudo a preços acessíveis à maioria, quer devido aos impostos elevados quer, sobretudo, pelos riscos em que incorrem (limitações às atualizações das rendas e morosidade dos “despejos” de inquilinos incumpridores).
O mau funcionamento do mercado (e políticas algo precipitadas do governo de estímulo da procura) tem levado a uma sobrevalorização dos preços dos imóveis para que o Banco de Portugal já vem a advertir (dirigindo-se à banca) ao longo dos últimos dois anos e que agora a Comissão Europeia veio a apontar, considerando que a Portugal é campeão europeu neste domínio com uma sobrevalorização média de 35% nos preços da habitação.
Há riscos? Há, mas não são imediatos. A verdade é que os compradores e os financiadores (a banca) não se vão afastar enquanto os preços estiverem a subir. A experiência ensina-nos que a fuga só ocorre quando começam as dificuldades para vender e é necessário fazer descontos cada vez maiores, gerando uma queda dos preços que pode ser ruinosa. A extensão do problema depende de vários fatores e um dos determinantes será o da quantidade de habitações que estejam em fase final ou avançada de conclusão e com pouca margem ou tempo para ajustar preços e satisfazer obrigações de crédito.
Sucede que atualmente a promoção imobiliária está dedicada de forma maioritária ao segmento médio-alto e alto, por razões que se prendem com o risco, a margem e o financiamento. E, por incrível que pareça, face à expressão limitada que se esperaria deste segmento, o número de fogos licenciados tem vindo a aumentar a dois dígitos e no último ano aumentou mesmo mais de 33%(!), de cerca de 30 mil para mais de 40 mil, no que julgamos estar a ser alavancado por um mercado “popular” de investidores a comprar em construção ou mesmo em planta, para revender as respetivas posições, ganhando na subida imparável dos preços. Isto já aconteceu na primeira década do século, em enormes proporções e este sim é um verdadeiro perigo, porque cria uma procura artificial e é suscetível de conduzir a um excesso de oferta neste segmento específico.
Quando dizemos que não há um perigo imediato é porque a restrição da mão-de-obra, que só está a crescer entre 2,5% a 4% ao ano, não confere ao setor da construção capacidade para fazer tanta obra e, mesmo que a oferta neste segmento já se adivinhe como relativamente excessiva, não deverá ser isso a provocar uma nova crise.
Mas esta é seguramente uma oportunidade para redirecionar parcialmente o esforço de construção para um outro tipo de oferta, essa sim dirigida a um segmento muito carenciado, que exige um modelo diferente de promoção, financiamento, projeto e de processo construtivo, adequado às exigências de controlo de custo e que assegura a rentabilidade adequada dos agentes da fileira.

