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Boletim Materiais de Construção nº 427
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A ilusão dos números
Os últimos dados, quer da contratação pública, quer do licenciamento de obras e, em particular, os que nos chegam acerca do clima de negócios no setor imobiliário e no comércio de materiais de construção, parecem comprovar as boas perspetivas que já existiam para o setor para os próximos dois anos.
O crescimento do volume de negócios no setor parece ser assim um dado adquirido, beneficiando, além disso, de uma tendência de crescimento moderado dos preços de venda dos próprios produtos.
Justifica-se, aqui, uma primeira chamada de atenção. Volume de vendas e resultados não são a mesma coisa e são os segundos que verdadeiramente interessam. Os custos de operação e as margens brutas são determinantes para o sucesso.
Ora, os comerciantes, por vocação, formação e experiência, dedicam uma redobrada atenção aos fatores mais estritamente “comerciais” do negócio, isto é, as margens, os descontos, as compras e o “rappel”, em prejuízo, algumas vezes, das ouras áreas essenciais da gestão, como os processos internos, a gestão dos clientes, o desenvolvimento e adequação dos serviços que acrescentam valor, etc.
Mas até no domínio das margens se cai muitas vezes em armadilhas, ou de perceção, ou de estratégia, quase todas já amplamente conhecidas, mas que mesmo assim se repetem ao longo do tempo.
As de perceção resultam, no essencial, da convicção que há ganhos efetivos quando o acréscimo de vendas obtido através da concessão de descontos adicionais aos clientes é superior à percentagem do desconto. Nada mais errado! A relação é superior a 1 para 8! Supondo que antes vendia mil torneiras ao preço de 100 euros cada, com uma margem de 20%, ganharia 20 mil euros brutos. Se der um desconto de 5% terá que vender um pouco mais de mil e quatrocentas torneiras, ao preço de 95 euros, para ganhar os mesmos 20 mil euros brutos. Mas depois ainda terá que fazer contas aos gastos adicionais (administrativos, financeiros e logísticos) associados à venda de mais 400 torneiras…
A última das ilusões é pensar que esta situação se resolve através do aumento do “rappel“ negociado com o fornecedor. A ideia é compensar desconto com desconto. Mas atacar o mercado com preços mais baixos (que os concorrentes naturalmente seguirão) permitirá eventualmente manter a margem bruta em termos percentuais das vendas mas, tomando como referência o exemplo anterior, como o preço de venda é mais baixo 5%, será mesmo assim necessário passar a vender, no mínimo, cerca de mil e cinquenta e três torneiras. Trabalhar mais, com mais riscos e mais custos, para vendas iguais e ganhando menos!
Naturalmente, comprar bem é condição necessária, mas não é suficiente. A estratégia de preço é sempre arriscada e basta atentar para os prejuízos de liquidez e margem que decorreram das reduções de preços ao longo dos dois últimos anos para perceber que essa não é uma situação favorável.
Outra coisa, bem real, é aumentar as vendas com base no crescimento sustentado do negócio, acompanhado pelo investimento na estrutura logística, comercial e de serviços (incluindo pontos de venda), melhorando a implantação no mercado, subindo na cadeia de valor e ganhando economias de escala. Mas esse caminho, obviamente, não dispensa uma margem adequada.