Artigo publicado no jornal Expresso: 04/11/2022
ELISABETE SOARES
Casas a preços acessíveis? Só com redução de impostos
Sector imobiliário defende intervenção do Estado no mercado da habitação
Profissionais do sector imobiliário dizem que enquanto não houver redução de impostos e taxas os preços finais das casas não irão baixar. E o Orçamento do Estado para 2023 deixa tudo na mesma
Resolver o problema da falta de casas, tanto para venda como para arrendamento, a preços acessíveis, numa altura em que a economia apresenta sinais de abrandamento, é um processo difícil, mas não impossível, consideram os profissionais do sector imobiliário ouvidos pelo Expresso. Contudo, e ainda segundo os mesmos responsáveis, o primeiro passo deveria ser dado pelo Estado, reduzindo os impostos e as taxas que recaem sobre o imobiliário. Mas este processo foi novamente adiado, na opinião destes profissionais, já que o Orçamento do Estado para 2023 não prevê medidas que vão nesse sentido.
“O único caminho comprovado é fazer aumentar a oferta de casas, reduzindo riscos e propiciando maiores ganhos a investidores e proprietários”, refere José de Matos, secretário-geral da Associação Portuguesa dos Comerciantes de Materiais de Construção (APCMC). Frisa ainda que “isso faz-se reduzindo taxas e impostos, tornando o arrendamento mais flexível e garantindo a atualização de rendimentos dos proprietários”.
E acredita que se isso for feito, “com uma perspetiva de estabilidade no tempo, se os proprietários forem encorajados e se sentirem seguros, aparecerão muitos milhares de habitações no mercado do arrendamento e com rendas mais baixas. E quanto maior for a oferta menores serão os preços”.
Na opinião de José Carvalho, presidente executivo do grupo Omega — Engenharia e Gestão de Empreendimentos, “a chave do sucesso no imobiliário passa sempre pela procura e pelo crédito”. Frisa que, “uma vez que se mantém uma forte procura, o reajuste dos modelos financeiros do crédito ao aumento das taxas de juro (maior prazo, prestações variáveis, etc.) seria uma medida possível”.
De referir que o grupo Omega tem sido responsável pela promoção de alguns projetos residenciais privados no Porto, localizados em Ramalde e Paranhos, que apresentam preços de venda médios — tendo em conta as métricas do Instituto Nacional de Estatística.
Também Johan Stevens, diretor-geral da Sanitop, distribuidora nacional de materiais de construção, destaca que fatores atuais como as taxas de juro, a inflação e a incerteza generalizada não são controláveis. Não obstante, “o recurso a fundos europeus, no sentido de apoiar a construção de habitação a custos controlados, potenciando o acesso à habitação de uma classe jovem e de uma classe média, poderá ser um dos caminhos”. Uma medida que, na sua opinião, poderá funcionar também como um incentivo à fixação dos jovens no nosso país.
O regresso às cooperativas de habitação pode ser uma solução para as casas a preços acessíveis
Numa altura em que vários municípios estão a avançar com os empreendimentos residenciais destinados a programas de habitação acessível, tanto para venda, como arrendamento, integrados no pacote Estratégias Locais de Habitação (ELH) e promovidos e aprovados pelo Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) — uma condição obrigatória para ter acesso ao pacote de €1211 milhões previsto no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) —, há uma grande preocupação por parte da Administração Pública em mobilizar as empresas de construção para aderirem a este projeto.
Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia e atualmente presidente da Área Metropolitana do Porto (AMP), presente no jantar comemorativo dos 130 anos da AICCOPN — Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas, realizado no início da semana, lançou um repto às construtoras para a necessidade de participarem no programa de construção de habitação com preços acessíveis.
“É necessário que haja casas na Foz, em Canidelo, a custarem ‘balúrdios’. Mas precisamos de casas de outra gama, a média, de casas fora dos bairros sociais”, referiu.
O autarca, que falava na presença da secretária de Estado da Habitação, Marina Gonçalves, e dos presidentes de algumas das maiores construtoras nacionais, entre várias dezenas de empresas presentes, apelou para a necessidade de neste projeto se conseguir atingir “uma relação virtuosa entre o público e o privado”, de forma a fornecer “habitação a preços acessíveis” às famílias.
Os investimentos na habitação no âmbito do PRR abrangem um universo de 26 mil famílias até 2026
No entanto, para que um projeto de construção de habitação possa acontecer é necessário “que os privados ajudem”, que “construam mesmo ganhando menos” (do que na habitação da gama média/alta), mas num nicho de mercado onde “há dinheiro e há possibilidades de lucro”.
A secretária de Estado da Habitação referiu-se também à importância do sector da construção para a concretização do “plano de investimento público” e para a “execução do plano previsto no PRR”, sobretudo no “desafio conjunto na execução dos financiamentos previstos para a habitação”.
A concretização e a operacionalização do projeto de investimento na habitação no âmbito do PRR abrange um universo de 26 mil agregados familiares até 2026. Este investimento assenta sobretudo no financiamento concedido no âmbito do Programa 1.º Direito. De acordo com os dados mais recentes, de 9 de setembro — fornecidos ao Expresso pelo Ministério das Infraestruturas e da Habitação —, 186 municípios tinham as suas ELH aprovadas pelo IHRU, uma condição obrigatória para terem acesso aos fundos europeus, o que corresponde a 52.770 famílias.
Em termos de execução, até março passado havia apenas duas mil soluções habitacionais em 38 municípios, num investimento de €145 milhões, divulgou na altura o ministério.
CUSTO DA CONSTRUÇÃO A SUBIR
As dificuldades sentidas no mercado imobiliário — principalmente na construção a custos controlados — surgem “quer por via da subida muito rápida dos custos de construção, que torna difícil repercuti-los no preço de venda, sobretudo quando este já estava contratado, quer pela instabilidade económica, financeira e social que se instalou e que prejudica a previsibilidade dos investimentos, afetando, pela sua particular natureza, o investimento imobiliário, que tem um ciclo de vários anos”, destaca José de Matos.
Neste momento é ainda visível que o arrefecimento do mercado imobiliário está a sentir-se mais do lado da oferta do que do lado da procura, “o que só pode agravar o problema do acesso à habitação para os grupos sociais com menores rendimentos”, acrescenta José de Matos.
Sector defende alargamento do IVA a 6% a toda a habitação, tanto reabilitação como construção nova
Manuel Reis Campos, presidente da AICCOPN, numa altura em que se encontra em discussão o Orçamento do Estado para 2023, destaca a necessidade de alargar o IVA a 6% a toda a habitação, tanto reabilitação como construção nova. Critica, assim, o comportamento da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), que está a “confrontar o mercado imobiliário, e os investidores em particular”, e “está a gerar incerteza e insegurança e, consequentemente, a colocar em risco os investimentos”.
Reis Campos alerta sobretudo para as situações em que a AT “tem recusado a aplicação desta redução baseando-se em interpretações restritivas”. Por esses motivos, defende “que se estabeleça uma melhor clarificação, por via de lei, sobre o enquadramento de determinada operação urbanística no Regime Jurídico da Reabilitação Urbana e o consequente acesso à taxa reduzida de IVA de 6%, que compete às câmaras municipais, de forma a que estas saibam de antemão que têm esta responsabilidade a cargo e permitindo que os promotores tenham, desde o início, segurança jurídica quanto à taxa de IVA aplicável a cada projeto”.
José de Matos destaca ainda a importância de na “promoção de casa própria para a classe média ser revisitado o modelo das cooperativas de habitação, que tiveram grande sucesso nos anos 80 e inícios dos 90 do século passado”. Mas também para a necessidade de “recorrer a projetos adequados e a tecnologias modernas de construção modular para podermos ter habitações em metade do tempo e com custos 30% mais baixos, com mais qualidade e mais eficientes do que uma construção tradicional”.
NÚMEROS
186
é o número de municípios que tinham as Estratégias Locais de Habitação (ELH) aprovadas até 9 de setembro
1211
milhões de euros é o investimento previsto no PRR para a construção de habitação acessível