IRS – Isenção de IRS relativa a gratificações de balanço
Artigo 236.º da Lei 82/2023, de 29/12 (Lei do Orçamento do Estado para 2024)
(Ofício Circulado n.º 20271/2024, de 27 de agosto, da AT)
«Tendo sido suscitadas dúvidas sobre a interpretação e aplicação da isenção em sede de IRS prevista nos n.ºs 1 e 2 do artigo 236.º da Lei n.º 82/2023, de 29 de dezembro, respeitante a importâncias pagas a título de participação nos lucros da empresa, por via de gratificação de balanço, procede-se à divulgação do entendimento sancionado por despacho da Secretária de Estado dos Assuntos Fiscais n.º 62/2024-XXIV, de 12/07/2024.
- Regime legal
A Lei n.º 82/2023, de 29 de dezembro (Lei do OE 2024), aprovou nos n.ºs 1 e 2 do artigo 236.º, a seguinte isenção em sede de IRS:
“1 – Ficam isentos de IRS até ao valor de uma remuneração fixa mensal e com o limite de 5 vezes a RMMG, os montantes atribuídos aos trabalhadores a título de participação nos lucros da empresa, por via de gratificação de balanço, pagos por entidades cuja valorização nominal das remunerações fixas do universo dos trabalhadores em 2024 seja igual ou superior a 5%.
2 – Os rendimentos isentos nos termos do número anterior são englobados para efeitos de determinação da taxa aplicável aos restantes rendimentos.”
Esta disposição veio criar um beneficio fiscal de carater temporário (aplicável apenas em 2024), que se consubstancia na isenção de IRS dos montantes atribuídos aos trabalhadores pela participação nos lucros da empresa, por via de gratificações de balanço, até ao valor de uma remuneração fixa mensal e com o limite de 5 vezes o valor da Remuneração Mínima Mensal Garantida (RMMG), desde que verificados os seguintes pressupostos/condições:
- a) Os valores sejam atribuídos em 2024; e,
- b) Sejam pagos por entidade cuja valorização nominal das remunerações fixas do universo dos trabalhadores, em 2024, seja igual ou superior a 5%;
Os rendimentos assim isentos são obrigatoriamente englobados para determinação da taxa de IRS aplicável aos restantes rendimentos.
O valor da RMMG para o ano de 2024 foi fixado em 820€ (Decreto-Lei n.º 107/2023, de 17 de novembro), pelo que o limite de 5 vezes este valor corresponde a 4 100€.
II. Aplicação temporal do regime
- Tendo em conta que o benefício é consagrado numa norma avulsa inserta na Lei do OE para 2024 e atendendo à respetiva formulação, deve entender-se que o benefício fiscal vigora no ano de 2024, devendo o pagamento ao trabalhador das gratificações de balanço ocorrer neste ano, isto é, ano em que se consideram como rendimentos do trabalho dependente, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IRS.
- No entanto, em 2024 podem ser distribuídos, a título de gratificação aos trabalhadores, lucros relativos ao período de 2023 e lucros relativos a períodos anteriores, ainda não distribuídos, existentes nas contas da empresa neste período.
- Para efeitos da presente isenção, as gratificações de balanço atribuídas aos trabalhadores devem corresponder aos lucros distribuíveis no ano de 2023, incluindo, portanto, quer os lucros relativos a esse período, quer eventuais lucros acumulados relativos a anos anteriores e registados em resultados transitados ou em reservas livres, mas desde que a mencionada distribuição de lucros pela entidade patronal, a título de gratificação de balanço, ocorra durante o ano de 2024 e conste de deliberação em assembleia geral de sócios com a respetiva aprovação de contas.
III. Conceito do “universo dos trabalhadores”
- Inserindo-se a medida no objetivo de as entidades empregadoras proporcionarem aos seus trabalhadores um aumento salarial de, pelo menos, 5%, particularmente no que respeita a trabalhadores que auferem menores salários, aumentando-se, por via da isenção, o rendimento líquido disponível do trabalhador, e face à expressão legal utilizada “universo dos trabalhadores”, tem-se que a valorização das remunerações de 5% é exigível para todos os trabalhadores da empresa, não bastando a verificação de um aumento médio de 5% dos salários. Caso contrário, poder-se-ia estar perante situações em que o aumento dos trabalhadores com maior percentagem perfizesse a média dos 5%, mantendo-se os trabalhadores com menores salários abaixo dos 5%.
- Mas, ainda que a valorização salarial de 5% no ano de 2024 tenha de se verificar relativamente ao universo dos trabalhadores, não existe obrigação legal de a distribuição das gratificações de balanço abranger a totalidade dos trabalhadores, sendo essa repartição efetuada de acordo com a gestão decidida pela empresa.
- Assim, face ao limite máximo para a isenção, que não pode ultrapassar o valor de uma remuneração fixa mensal, com o limite de cinco vezes o salário mínimo mensal garantido (4.100 €), a isenção só é aproveitada se houver um aumento/valorização nominal da remuneração fixa do universo dos trabalhadores em 2024 igual ou superior a 5% face ao ano de 2023, e se o prémio em causa não ultrapassar, por trabalhador, os referidos limites.
IV. Quantificação de 5% das remunerações fixas dos trabalhadores
- No que concerne à quantificação da valorização mínima de 5% das remunerações fixas dos trabalhadores, importa apurar quais os dois momentos temporais para aferir da respetiva valorização. Ou seja, qual o período de pagamento de remunerações que deve ser comparado para aferir se em 2024 os trabalhadores foram aumentados em, pelo menos, 5%.
- A interpretação a efetuar é a que permita comparar, por trabalhador, o valor dos salários pagos no ano do pagamento das gratificações com o valor dos salários pagos no ano anterior. O critério mais adequado para aferir do aumento salarial (requisito da valorização salarial) é considerar a remuneração paga em dezembro de 2024 em relação à remuneração paga em dezembro de 2023, de modo a poder contemplar eventuais aumentos que possam ainda vir a ocorrer durante o ano de 2024, atendendo a que não existe normativo que determine que à data da distribuição das gratificações o aumento salarial já tenha ocorrido, mas tão só que durante o ano de 2024 se verifique um aumento de, pelo menos, 5% face ao ano anterior.
V. Conceito de “remuneração fixa mensal” para determinação da valorização salarial
- O Código do IRS não contempla explicitamente o conceito de remuneração fixa, porém, pode ser inferido a partir das normas do artigo 2.º do Código do IRS (CIRS).
- O n.º 1 desse artigo estabelece que são consideradas remunerações do trabalho dependente todas as pagas ou postas à disposição dos seus titulares, provenientes situações jurídicas de emprego previstas nas alíneas a), b), c) e d). Acrescendo o n.º 2 do artigo que devem ser também considerados como remunerações do trabalho dependente, designadamente, os seguintes itens: ordenados, salários, vencimentos, gratificações, percentagens, comissões, participações, subsídios ou prémios, senhas de presença, emolumentos, participações em multas e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não.
- As remunerações fixas são as que têm carater regular e periódico. São pagas ao trabalhador regularmente, com carácter de retribuição, em períodos certos ou aproximadamente certos, com habitualidade, associadas aos rendimentos do trabalho dependente e à estabilidade na relação laboral.
- Por outro lado, também o Oficio Circulado n.º 20260/2023, de 14/09, da Área de Gestão dos Impostos sobre o Rendimento, respeitante ao incentivo fiscal à valorização salarial em sede de IRC – artigo 19.º-B do EBF (Estatuto dos Benefícios Fiscais), define remuneração fixa “toda a remuneração auferida pelo trabalhador que não esteja dependente do desempenho individual, da equipa ou da empresa, bem como as remunerações acessórias enunciadas na alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS, que se revelem de caráter fixo e nas condições aí enunciadas”.
- Assim, sendo um conceito que foi também adotado na redação dada na alínea b) do n.º 4 do artigo 19.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, deve também ser este o aplicável para efeitos do artigo 236.º, n.º 1 da Lei do OE 2024.
VI. Exclusão da aplicação da norma aos membros dos órgãos sociais
- Não decorre da letra da lei que as gratificações de balanço disponibilizadas aos membros dos órgãos sociais estejam abrangidas pela isenção, sendo que a norma se refere sempre ao “trabalhador”, no sentido de estar associado a pessoa com contrato de trabalho, que presta serviço sob a dependência do empregador e recebe um salário.
- Considerando a justificação que esteve na génese da norma e a coerência das regras constantes no Código do IRS que tratam as remunerações dos membros dos órgãos sociais, e sua inserção sistemática, entende-se que a lei não incluiu os membros dos órgãos sociais na norma, sendo o seu objetivo aumentar a liquidez dos rendimentos apenas aos trabalhadores por meio da isenção fiscal.
- Deste modo, não tendo a lei consagrado expressamente na norma do n.º 1 do artigo 236.º, da Lei do OE 2024, como beneficiários da isenção os membros dos órgãos sociais, tendo-se apenas referido a “trabalhadores”, não podem aqueles beneficiar da isenção, relativamente às gratificações que recebam, nessa qualidade, a título de participação nos lucros.
VII. Aumento da Remuneração Mensal Mínima Garantida
- Relativamente às situações em que o aumento salarial do trabalhador decorra da atualização obrigatória da RMMG (que passou de 760€ em 2023, para 820€ em 2024), representando esta atualização um aumento de 7,89%, cumpre-se, relativamente a estes trabalhadores, o requisito respeitante à valorização nominal das remunerações fixas igual ou superior a 5%.
VIII. Retenção na fonte
- O n.º 2 do artigo 236.º da Lei do OE 2024 prevê uma isenção com progressividade, ao determinar que os rendimentos isentos são englobados para efeitos de determinação da taxa aplicável aos restantes rendimentos.
- Em matéria de retenção na fonte, e por razões de coerência, há que convocar as regras constantes no Código do IRS, em concreto as normas previstas no artigo 99.º-F, n.º 4 e o artigo 101.º-D, n.º 4, ambos do Código do IRS, que dispõem sobre a aplicação das taxas de retenção na fonte no caso de rendimentos isentos sujeitos a englobamento, as quais determinam que devem corresponder às taxas que resultarem das tabelas de retenção na fonte sobre a totalidade dos rendimentos, incluindo os isentos, aplicando-se apenas à parte dos rendimentos que não estejam isentos.
- Assim, os rendimentos respeitantes a gratificações de balanço, auferidos pelos trabalhadores, isentos de IRS, mas englobáveis para efeitos de determinação da taxa, devem ser igualmente tidos em consideração para efeitos de determinação da taxa de retenção na fonte aplicável aos restantes rendimentos auferidos pelo trabalhador.
- Adicionalmente, dá-se nota de que, para efeitos de entrega da declaração mensal de remunerações – DMR -, foi criado o código A82 (rendimentos isentos) para inscrever os montantes atribuídos aos trabalhadores a título de participação nos lucros da empresa, por via da gratificação de balanço, aí se referindo “ … pagos por entidades cuja valorização nominal das remunerações fixas do universo dos trabalhadores em 2024 seja igual ou superior a 5%, decorrente do previsto no artigo 236.º da Lei n.º 82/2023, de 29 de dezembro” (Lei do OE 2024), que contém uma disposição transitória no seu n.º 1 ao isentar de tributação, com caráter temporário, montantes até 5 vezes a RMMG. Este código aplica-se apenas ao ano de 2024.
A Subdiretora-Geral
(Helena Pegado Martins)»