Alterado o regime das práticas individuais restritivas do comércio

O Decreto-Lei 128/2019, de 29 de agosto, procedeu à 2.ª alteração, e republicação, do Decreto-Lei 166/2013, de 27 de dezembro, que consagra o regime jurídico aplicável às práticas individuais restritivas do comércio (PIRC), no objetivo de reforçar a transparência nas relações comerciais e o equilíbrio das posições negociais entre os operadores económicos, garantir maior coesão sistémica entre os regimes da concorrência e das PIRC e reforçar a capacidade de operação, fiscalização e investigação da ASAE.

PIRC são certas condutas contrárias à boa fé e à lealdade negocial entre empresas, suscetíveis de afetar de forma negativa a transparência e o equilíbrio de posições negociais entre operadores económicos, designadamente:

– a prática por uma empresa, em relação a outra, de preços, condições de venda ou de pagamento que imponham a concessão de um benefício não proporcional à transação em causa ou ao valor dos serviços prestados

– a imposição de condições definidas unilateralmente por uma empresa na sua relação comercial com outra

– a venda de bens por uma empresa ao consumidor ou a outra empresa a um valor inferior ao preço a que foi adquirido, deduzido de todos os descontos e pagamentos auferidos.

Em vigor a partir de 1 de janeiro de 2020, o «novo» regime passa a aplicar-se às práticas comerciais que ocorram em Portugal e não apenas àquelas que ocorram entre empresas estabelecidas no país, destacando-se ainda o seguinte:

  • Introduz-se o princípio da reciprocidade nos contratos e acordos entre empresas;
  • Torna-se obrigatória a redução a escrito de todos os documentos negociais, como tabelas de preços, condições de venda, contratos de fornecimento, e a sua manutenção por um período mínimo de 3 anos, em arquivo físico ou digital;
  • Clarificam-se os elementos que podem ser considerados na determinação do preço de compra efetivo, para efeitos de aferir da existência da venda com prejuízo;
  • Proíbe-se a prática negocial que consista na previsão de sanções contratuais exorbitantes relativamente às cláusulas contratuais gerais, bem como de contrapartidas que não sejam efetivas e proporcionais, designadamente, a emissão de notas de crédito e débito em prazo superior a três meses da data da fatura a que se referem;
  • Proíbe-se a dedução, por uma empresa em relação a outra, de valores aos montantes da faturação devidos pelo fornecimento de bens ou prestação de serviços, quando não estejam devidamente discriminados os motivos a que se referem e a outra parte se pronuncie desfavorável e fundamentadamente no prazo de 25 dias;
  • Estende-se a todos os setores de atividade a proibição de algumas práticas dirigidas a micro ou pequenas empresas que apenas eram aplicáveis ao setor agroalimentar, conferindo-se o mesmo grau de proteção a todas as empresas de pequena dimensão;
  • Clarifica-se que os prestadores de serviços e os produtores, fabricantes, importadores, distribuidores, embaladores e grossistas de bens devem possuir tabelas de preços com as respetivas condições de venda, facultando-as sempre que forem pedidas por qualquer revendedor ou utilizador ou pela ASAE
  • A ASAE passa a dispor do poder de, com caráter de urgência, desencadear ações para impedir práticas negociais abusivas, que possam afetar o normal funcionamento do mercado e pôr em causa o interesse público;
  • Passa a ser garantida a confidencialidade de quem denuncia práticas restritivas proibidas, seja empresa ou associação empresarial (lembramos que a APCMC já por diversas vezes denunciou à ASAE práticas proibidas de comércio, a pedido dos seus associados, cuja anonimato sempre garantiu, continuando disponível para o continuar a fazer).

Destacamos algumas das disposições mais importantes do «novo» regime, reproduzindo infra os artigos 4.º, 5.º, 7.º, 9.º e 10.º, sem prejuízo dos interessados o poderem consultar na íntegra aqui.

Artigo 4.º
Transparência e equilíbrio nas relações comerciais

1 — Os contratos e acordos entre empresas devem basear-se na existência de contrapartidas efetivas e proporcionais aplicáveis às suas transações comerciais de fornecimento de produtos ou de prestação de serviços.

2 — Os produtores, fabricantes, importadores, distribuidores, embaladores e grossistas de bens e os prestadores de serviços são obrigados a possuir as tabelas de preços com as correspondentes condições de venda e facultá-las, quando solicitadas, a qualquer revendedor ou utilizador.

3 — As condições de venda devem referenciar, nomeadamente, os prazos de pagamento, as diferentes modalidades de descontos praticados e os respetivos escalões, sempre que não estejam abrangidos por segredo comercial.

4 — Devem ser reduzidas a escrito, sob pena de nulidade, quaisquer disposições sobre as condições em que uma empresa obtenha uma remuneração financeira ou de outra natureza dos seus fornecedores, como contrapartida da prestação de serviços específicos.

5 — As tabelas de preços, condições de venda, contratos de fornecimento e quaisquer disposições reduzidas a escrito nos termos do número anterior devem ser mantidas em arquivo físico ou digital por um período de três anos e disponibilizadas à entidade fiscalizadora mediante solicitação.

 

Artigo 5.º
Venda com prejuízo

1 — É proibido oferecer para venda ou vender um bem a uma empresa ou a um consumidor por um preço inferior ao seu preço de compra efetivo, acrescido dos impostos aplicáveis a essa venda e, se for caso disso, dos encargos relacionados com o transporte.

2 — Entende-se por preço de compra efetivo o preço unitário identificável na fatura de compra, líquido dos descontos e pagamentos que se relacionem direta e exclusivamente com a transação dos produtos em causa.

3 — Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por:

a) Descontos relacionados direta e exclusivamente com a transação dos produtos em causa, os que forem identificáveis quanto ao produto, respetiva quantidade e período por que vão vigorar;

b) Pagamentos relacionados direta e exclusivamente com a transação em causa, os que tenham sido previamente negociados entre as partes e reduzidos a escrito.

4 — Os descontos e pagamentos referidos no n.º 2 devem estar identificados na própria fatura ou, por remissão desta, em contratos de fornecimento ou tabelas de preço que estejam em vigor no momento da transação, e que sejam determináveis no momento da respetiva emissão, ou ainda em notas de crédito ou débito quando emitidas no prazo de três meses seguintes à data da fatura a que se referem e estejam devidamente discriminados.

5 — Os descontos que forem concedidos direta e exclusivamente na venda de um determinado produto, são considerados na determinação do respetivo preço de venda.

6 — Para efeitos de aplicação do número anterior, os descontos concedidos para utilização de forma diferida apenas são considerados para o preço de venda quando se destinem à aquisição posterior do mesmo produto.

7 — Para os efeitos do presente decreto-lei, as faturas de compra consideram-se aceites em todos os seus termos e reconhecidas pelos seus destinatários, quando não tenham sido objeto de reclamação no prazo de 25 dias seguintes à respetiva receção.

8 — Em caso de desconformidade da fatura, a sanação do vício e a emissão de uma fatura retificada deve ocorrer no prazo de 20 dias após a reclamação prevista no número anterior.

9 — Para os efeitos do disposto no presente artigo, não são consideradas as alterações contidas em faturas retificadas, emitidas em data posterior aos prazos indicados.

10 — A alegação de existência de erro material afeta apenas a parcela em que se verifica, considerando-se cumprido o dever de interpelação para pagamento dos restantes bens e serviços constantes da fatura.

11 — O disposto no n.º 1 não é aplicável a:

a) Bens perecíveis, a partir do momento em que se encontrem ameaçados de deterioração rápida;

b) Bens cujo valor comercial esteja afetado, quer por ter decorrido a situação que determinou a sua necessidade, quer por redução das suas possibilidades de utilização, quer por superveniência de importante inovação técnica;

c) Bens cujo reaprovisionamento se efetue a preço inferior, sendo então o preço efetivo de compra substituído pelo preço resultante da nova fatura de compra;

d) Bens vendidos em saldo ou em liquidação.

12 — A prova documental do preço de compra efetivo, do preço de venda para efeitos do disposto nos n.ºs

5 e 6, bem como das justificações previstas no número anterior cabe ao vendedor, sem prejuízo de a entidade fiscalizadora poder solicitar as informações que julgar convenientes aos fornecedores ou a quaisquer outras entidades.

13 — Apenas são considerados para apuramento do preço de compra efetivo e do preço de venda os descontos e pagamentos constantes de documentos apresentados à autoridade fiscalizadora até ao termo do prazo para o exercício do direito de defesa no âmbito do respetivo procedimento contraordenacional.

 

Artigo 7.º
Práticas negociais abusivas

1 — Sem prejuízo das regras aplicáveis em matéria de cláusulas contratuais gerais, são proibidas quaisquer práticas negociais entre empresas que se traduzam:

a) No impedimento de venda a qualquer outra empresa a um preço mais baixo;

b) Na obtenção de preços, condições de pagamento, modalidades de venda, sanções contratuais ou condições de cooperação comercial, exorbitantes relativamente às suas condições contratuais gerais;

c) Na imposição unilateral, direta ou indireta:

    i) De realização de uma promoção de um determinado produto;
    ii) De quaisquer pagamentos enquanto contrapartida de uma promoção.

d) Na obtenção de quaisquer contrapartidas por promoções em curso ou já ocorridas, ou quaisquer outras que não sejam efetivas e proporcionais, designadamente através da emissão de notas de crédito e débito em prazo superior a três meses da data da fatura a que se referem;

e) Numa alteração retroativa, ainda que extracontratual, de condições estabelecidas em contratos de fornecimento.

2 — Para efeitos da alínea b) do n.º 1, consideram-se como exorbitantes relativamente às condições contratuais gerais de venda os preços, condições de pagamento, modalidades de venda, sanções contratuais, ou condições de cooperação comercial que se traduzam na concessão de um benefício ao comprador, ou ao vendedor, não proporcional ao volume de compras ou vendas ou, se for caso disso, ao valor dos serviços prestados.

3 — São ainda proibidas quaisquer práticas negociais entre empresas que se traduzam na dedução, por uma das partes, de valores aos montantes da faturação devidos pelo fornecimento de bens ou prestação de serviços, quando:

a) Não estejam devidamente discriminados os motivos a que se referem; e

b) A outra parte se pronuncie desfavorável e fundamentadamente no prazo de 25 dias.

4 — É igualmente proibida qualquer prática unilateral que vise ou consubstancie:

a) Uma imposição de antecipação de cumprimento de contratos, sem indemnização;

b) Uma imposição de débitos não contratualmente previstos, após o fornecimento dos bens ou serviços.

5 — Quando o fornecedor seja uma micro ou pequena empresa, organização de produtores ou cooperativa, são ainda proibidas as práticas negociais do comprador que se traduzam em impor um pagamento, diretamente ou sob a forma de desconto:

a) Pela não concretização das expectativas do comprador quanto ao volume ou valor das vendas;

b) Para introdução ou reintrodução de produtos;

c) Como compensação por custos decorrentes de uma queixa do consumidor, exceto quando o comprador demonstre que essa queixa se deve a negligência, falha ou incumprimento contratual do fornecedor;

d) Por custos relativos a transporte e armazenamento posteriores à entrega do produto;

e) Como contribuição para abertura de novos estabelecimentos ou remodelação dos existentes;

f) Como condição para iniciar uma relação comercial com um fornecedor.

6 — Para além do disposto no número anterior, são proibidas, no setor agroalimentar, as práticas negociais do comprador, quando o fornecedor seja uma micro ou pequena empresa, organização de produtores ou cooperativa, que se traduzam em:

a) Rejeitar ou devolver os produtos entregues, com fundamento na menor qualidade de parte ou da totalidade da encomenda ou no atraso da entrega, sem que seja demonstrada, pelo comprador, a responsabilidade do fornecedor por esse facto;

b) Impor um pagamento, diretamente ou sob a forma de desconto para cobrir qualquer desperdício dos produtos do fornecedor, exceto quando o comprador demonstre que tal se deve a negligência, falha ou incumprimento contratual do fornecedor.

7 — Qualquer cláusula contratual que viole o disposto no presente artigo é nula e tem-se por não escrita.

8 — As práticas negociais não proibidas pelo presente artigo, nomeadamente em virtude da dimensão ou do setor de atividade dos intervenientes, devem ser objeto de autorregulação nos instrumentos a que se refere o artigo 16.º.

 

Artigo 9.º
Contraordenações

1 — Constitui contraordenação punível com coima:

a) A violação do disposto no n.º 4 do artigo 4.º, no n.º 1 do artigo 5.º e nos n.ºs 1 e 6 do artigo 7.º;

b) A violação do disposto no n.º 2 do artigo 4.º;

c) A não prestação ou a prestação de informações falsas, inexatas ou incompletas, em resposta a pedido da entidade fiscalizadora;

d) A violação das medidas cautelares impostas pela entidade competente;

e) A violação do disposto nos n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 7.º

2 — A negligência e a tentativa são puníveis, nos termos gerais.

 

Artigo 10.º
Coimas

1— As contraordenações referidas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo anterior são puníveis com as seguintes coimas:

a) Se praticadas por pessoa singular, coima mínima de 750 EUR e máxima de 20 000 EUR;

b) Se praticadas por microempresa, coima mínima de 2 500 EUR e máxima de 50 000 EUR;

c) Se praticadas por pequena empresa, coima mínima de 3 000 EUR e máxima de 150 000 EUR;

d) Se praticadas por média empresa, coima mínima de 4 000 EUR e máxima de 450 000 EUR;

e) Se praticadas por grande empresa, coima mínima de 5 000 EUR e máxima de 2 500 000 EUR.

2 — As contraordenações referidas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo anterior são puníveis com as seguintes coimas:

a) Se praticadas por pessoa singular, coima mínima de 250 EUR e máxima de 7500 EUR;

b) Se praticadas por microempresa, coima mínima de 500 EUR e máxima de 10 000 EUR;

c) Se praticadas por pequena empresa, coima mínima de 750 EUR e máxima de 25 000 EUR;

d) Se praticadas por média empresa, coima mínima de 1 000 EUR e máxima de 100 000 EUR;

e) Se praticadas por grande empresa, coima mínima de 2 500 EUR e máxima de 500 000 EUR.

3 — As contraordenações referidas na alínea e) do n.º 1 do artigo anterior são puníveis com as seguintes coimas:

a) Se praticadas por pessoa singular, coima mínima de 3,74 EUR e máxima de 3740,98 EUR;

b) Se praticadas por pessoa coletiva, coima mínima de 3,74 EUR e máxima de 44 891,81 EUR.

4 — Para efeitos da classificação da empresa como microempresa, pequena empresa, média empresa ou grande empresa, são utilizados os critérios definidos na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão Europeia, de 6 de maio de 2003.

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