Pelo seu interesse, passamos a reproduzir na íntegra o conteúdo da Circular 09/2016, de 30 de setembro, do Gabinete Fiscal da CCP, Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, cuja Direção a APCMC integra.
«Regularização do IVA em Créditos de Cobrança Duvidosa e em Créditos Incobráveis
1. A inspeção tributária denota uma especial predileção para fazer correções com o pretexto da violação do princípio da especialização dos exercícios, como acontece frequentemente com o reconhecimento das perdas por imparidade em dívidas a receber.
2. Invocando tal princípio, a inspeção, pura e simplesmente, desconsidera a perda como um gasto dedutível para efeitos do apuramento do lucro tributável, acabando o contribuinte, se nada for feito, por não ver reconhecido fiscalmente um gasto, porque não conseguiu “acertar” com o período de tributação em que se entende que o gasto deve ser reconhecido.
3. Para estes diferendos contribui uma legislação fiscal pouco clara e em constante mutação.
4. Embora estas correções tenham acontecido, em regra, no âmbito dos impostos sobre o rendimento, o Código do IVA também tem normas cuja redação potencia a dúvida quanto ao regime a adotar e, consequentemente, quanto ao momento em que pode ser exercido o direito à dedução.
5. Referimo-nos concretamente ao regime de regularização do IVA a favor do sujeito passivo relativo a créditos de cobrança duvidosa e a créditos incobráveis.
6. Com efeito, antes das alterações introduzidas pelo artigo 196.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, nos termos do artigo 78.º do Código do IVA, a recuperação do IVA relativo a um crédito incobrável só podia ser feita de acordo com o disposto no n.º 7 do referido artigo, o que implicava o recurso a um processo judicial, ainda que as hipóteses de recuperação do crédito fossem nulas, mas esta era a única via para a recuperação do IVA pago ao Estado e não recebido do cliente.
7. Ora este procedimento foi apontado como responsável pelo aumento de pendências nos Tribunais, tendo no âmbito do Memorando de Entendimento, celebrado entre a República Portuguesa e a designada Troika, sido inserida uma medida para a procura de alternativas para a redução destas pendências.
8. Neste contexto, a Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, veio introduzir a possibilidade de recuperação do IVA relativo a créditos considerados de cobrança duvidosa, mantendo a possibilidade de recuperação do IVA respeitante a créditos incobráveis nos seguintes termos:
1-Os sujeitos passivos podem deduzir o imposto respeitante a créditos considerados de cobrança duvidosa, evidenciados como tal na contabilidade, sem prejuízo do disposto no artigo 78.º-D, bem como o respeitante a créditos considerados incobráveis.
2-Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles que apresentem um risco de incobrabilidade devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:
- O crédito esteja em mora há mais de 24 meses desde a data do respetivo vencimento, existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento e o ativo tenha sido desreconhecido contabilisticamente;
3 – (…)
4 – Os sujeitos passivos podem, ainda, deduzir o imposto relativo a créditos considerados incobráveis nas seguintes situações, sempre que o facto relevante ocorra em momento anterior ao referido no n.º 2:
- Em processo de execução, após o registo a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 806.º do Código do Processo Civil;
- Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado ou após a homologação da deliberação prevista no artigo 156.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
c) Em processo especial de revitalização, após homologação do plano de recuperação pelo juiz, previsto no artigo 17.º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
d) Nos termos previstos no Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), após celebração do acordo previsto no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto.
9. Ora, sendo certo que a recuperação do IVA através da consideração do crédito como de cobrança duvidosa ou como incobrável está sujeita a diferentes procedimentos e a prazos específicos, coloca-se a questão de saber se o sujeito passivo pode optar por um ou por outro dos regimes ou, se, pelo contrário, tem de utilizar imperativamente um específico regime.
10. Na sua versão inicial, acima reproduzida, o crédito tinha de ser desreconhecido o que significava que dependia de uma avaliação do contribuinte que constatando a impossibilidade de cobrança acabava por desreconhecer o crédito, reservando-se assim o regime dos créditos incobráveis para as situações em que se justificava o recurso a um processo judicial por haver expetativas de cobrança, que naturalmente precedia o desreconhecimento do crédito.
11. Acontece que a Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, alterou o n.º 2 do artigo 78.º-A e o desreconhecimento do crédito deixou de ser condição para a aplicação do regime dos créditos de cobrança duvidosa, que, assim, passou a depender apenas da sua evidenciação como tal na contabilidade, da mora, da existência de provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.
12. Ora o regime dos créditos incobráveis só pode ser utilizado quando o facto relevante ocorra em momento anterior à consideração do crédito como de cobrança duvidosa.
13. Coloca-se, portanto, a questão de saber se pode ser recuperado o IVA através da incobrabilidade do crédito declarada em processo de execução, após o período de 24 meses de mora.
14. Face à atual equívoca letra da lei, parece que estão reunidas as condições para mais litígios com a administração fiscal, que certamente vai considerar que devia ter sido utilizado o regime dos créditos de cobrança duvidosa, vedando a possibilidade de recuperação do correlativo imposto.
15. Afigura-se-nos não ser esse o espírito da norma. Efetivamente, a norma teve em vista reduzir as pendências judiciais, oferecendo um meio alternativo aos sujeitos passivos para a recuperação do IVA e não propriamente estabelecer um regime imperativo que lhes retire a possibilidade de o recuperar por recurso à via judicial, mediante a consideração do crédito como incobrável, quando não tenha lançado mão, em tempo, dos procedimentos subjacentes à sua consideração como crédito de cobrança duvidosa.»