Faltas por falecimento de parente ou afim – STJ decide que são dias seguidos de calendário

Chamado a pronunciar-se em recurso sobre o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/07/2022, que decidiu, com voto de vencido, que a expressão “dias consecutivos” constante da Cláusula 82.ª do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a AIMMAP – Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal e o SINDEL – Sindicato Nacional da Indústria e da Energia, no que respeita ao n.º de dias que o trabalhador tem direito a faltar por falecimento de cônjuge, parente ou afim, deve ser interpretada como sendo dias úteis de trabalho, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), via Acórdão n.º 4/2023, publicado no D.R. de 17 de maio p.p., revogou tal Acórdão e decidiu que

a expressão «dias consecutivos» deve ser interpretada como sendo dias seguidos, independentemente de serem dias úteis ou dias de trabalho ou dias de descanso!

Uma decisão, sem votos contra, que fixa jurisprudência e doutrina, pois, embora aplicada a um caso concreto – o do CCT entre AIMMAP e SINDEL –, estende-se a todos os outros setores, empresas e trabalhadores, pondo em causa naturalmente aquela que seria a interpretação então dominante e que a própria ACT verteu na sua Nota Técnica n.º 7, em 2018, já que a redação da referida cláusula 82.ª, quer do CCT em causa (publicado no BTE n.º 20, de 20/05/2019) e dos que AIMMAP e SINDEL celebraram posteriormente, quer de outros CCT, regionais ou setoriais, como o outorgado pela APCMC, é igual (no que aqui importa, que é o n.º de dias de faltas e o termo «consecutivos»…) à do artigo 251.º do Código do Trabalho…:

CCT entre AIMMAP e SINDEL

Código do Trabalho

Cláusula 82.ª

Faltas por motivo de falecimento de parentes ou afins

1- Nos termos da alínea b) do número 2 da cláusula ante­rior, o trabalhador pode faltar justificadamente:

     a) Até cinco dias consecutivos por falecimento de cônjuge não separado de pessoas e bens ou de parente ou afim no 1.º grau na linha reta (pais e filhos, por parentesco ou adoção plena, padrastos, enteados, sogros, genros e noras);

     b) Até dois dias consecutivos por falecimento de outro pa­rente ou afim na linha reta ou em 2.º grau da linha colateral (avós e bisavós por parentesco ou afinidade, netos e bisnetos por parentesco, afinidade ou adoção plena, irmãos consan­guíneos ou por adoção plena e cunhados).

2- Aplica-se o disposto na alínea a) do número anterior ao falecimento de pessoa que viva em união de facto ou econo­mia comum com o trabalhador nos termos previstos na lei.

Artigo 251.º
Faltas por motivo de falecimento de cônjuge, parente ou afim

(na redação atual, dada pela Lei 13/2023, de 3/4)

1 – O trabalhador pode faltar justificadamente:
     a) Até 20 dias consecutivos, por falecimento de cônjuge não separado de pessoas e bens ou equiparado, filho ou enteado;
     b) Até 5 dias consecutivos, por falecimento de parente ou afim no 1.º grau na linha reta não incluídos na alínea anterior;
     c) Até 2 dias consecutivos, por falecimento de outro parente ou afim na linha reta ou no 2.º grau da linha colateral.
2 – Aplica-se o disposto na alínea b) do número anterior em caso de falecimento de pessoa que viva em união de facto ou economia comum com o trabalhador, nos termos previstos em legislação específica.
3 – Constitui contraordenação grave a violação do disposto neste artigo.

(na redação que vigorou até à Lei 1/2022, de 3/1)
1 – O trabalhador pode faltar justificadamente:
     a) Até 5 dias consecutivos, por falecimento de cônjuge não separado de pessoas e bens ou de parente ou afim no 1.º grau na linha reta;
     b) Até 2 dias consecutivos, por falecimento de outro parente ou afim na linha reta ou no 2.º grau da linha colateral.
2 – Aplica-se o disposto na alínea a) do número anterior em caso de falecimento de pessoa que viva em união de facto ou economia comum com o trabalhador, nos termos previstos em legislação específica.
3 – Constitui contraordenação grave a violação do disposto neste artigo.

Referindo que a redação da cláusula em questão era idêntica à do artigo 251.º, n.ºs 1 e 2, do CT e que o que estava em discussão era a interpretação a fazer da expressão “dias consecutivos” constante de tal cláusula (se, apenas, como dias úteis, ou seja, fazendo a sua contagem em concordância com o conceito de “falta”, interpretando a expressão “dias consecutivos” por referência ao conceito de falta ínsito no artigo 248.º do Código do Trabalho e, consequentemente, só se considerando, naqueles, os dias em que existe obrigação de trabalhar, como decidiu, com voto de vencido, a Relação, ou, então, como concluíram a 1.ª instância e o referido voto de vencido, como sendo dias seguidos, independentemente de serem dias úteis ou dias de trabalho ou dias de descanso), o Supremo Tribunal de Justiça assenta a sua decisão final nos seguintes argumentos:

… «se no domínio da interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho se deve atribuir uma importância acrescida ao elemento literal, pois a letra do acordo é o ponto de partida e a baliza da interpretação, tendo em conta o sentido literal da norma, referindo-se a dias “consecutivos”, bem como a globalidade do diploma legal onde a cláusula se insere, àquela não poderá ser-lhe dado outro sentido que senão o de “dias seguidos”, precisamente, o significado literal de “dias consecutivos” e não “dias úteis” ou “dias de trabalho”».

«Como adverte o voto de vencido na Relação, se de outro modo os interessados o tivessem querido, tê-lo-iam dito, como fizeram noutras normas do diploma em causa, onde até utilizaram a expressão “dias úteis consecutivos“».

«Basta, para o efeito, ter em atenção como são utilizadas, noutras cláusulas da CCT em causa, para diferentes situações, as expressões “dias úteis” (Cláusula 38.ª, n.º 3), “dias seguidos” (Cláusula 81.ª, n.º 2, alínea a)), “dias consecutivos” (Cláusula 82.ª) e “dias úteis consecutivos” (Cláusulas 72.ª, alínea d) e 73.ª, n.º 6) e, ainda, o que na Cláusula 68.ª se esclarece sobre o que são considerados dias úteis para efeitos de férias».

«É este apelo à globalidade das normas do CCT em questão que não pode deixar de se efetuar».

«Daí que, e salvo o muito e devido respeito, não se pode, como faz o acórdão recorrido, proceder a uma interpretação redutora da cláusula fazendo apelo ao conceito de “falta”, tal como definido no artigo 248.º do CT».

«Mas, além deste argumento há ainda um outro que nos parece relevante e, mais do que isso, também decisivo, e que consiste na circunstância deste diploma legal se aplicar a uma multiplicidade de relações laborais, nas quais se poderão integrar trabalhadores que exerçam a sua atividade laboral aos fins-de-semana, pelo que interpretar os dias de faltas “consecutivos” como sendo dias úteis determinaria, em nosso entender, uma franca discriminação entre trabalhadores no sentido de que os que gozassem o seu descanso aos fins-de-semana seriam beneficiados relativamente aos demais».

«Multiplicidade que também abrange aqueles que apenas trabalham alguns dos dias da semana, em relação aos quais também se verificaria essa injustificada desigualdade. A ser adotada a interpretação acolhida pelo acórdão recorrido de que estão em causa, na contagem dos dias de faltas por falecimento, os dias em que existe obrigação de trabalhar, chegar-se-ia a soluções absurdas, por isso mesmo inaceitáveis, e, principal e decisivamente, constituindo fator de discriminação injustificada dos trabalhadores. Basta pensar na situação em que o trabalhador apenas presta a sua atividade num dia da semana: teria direito a faltar, no caso da al. a), durante cinco semanas. O mesmo se passaria com aqueles que não prestam trabalho durante todos os dias considerados úteis – segunda a sexta-feira e no período temporal total, ou seja, trabalhadores que prestam trabalho com horário a tempo parcial, horário concentrado (de 2, 3 ou 4 dias de trabalho por semana) ou que apenas trabalham nos dias de folga ou descanso dos demais».

Pelo que adotou a seguinte

Decisão

Nos termos expostos, concede-se a revista, revogando-se o acórdão recorrido, e decidindo-se que a expressão “dias consecutivos”, constante da Cláusula 82.ª do Contrato Coletivo entre a Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal – AIMMAP e o SINDEL – Sindicato Nacional da Indústria e da Energia, deve ser interpretada como sendo dias seguidos, independentemente de serem dias úteis ou dias de trabalho ou dias de descanso.

 As custas em todas as instâncias seriam a cargo do Recorrido – SINDEL, não fosse a isenção de que goza.

Lisboa, 19 de abril de 2023. – Ramalho Pinto – Domingos José de Morais – Azevedo Mendes – Mário Belo Morgado – Júlio Gomes – Henrique Araújo (presidente).

Como a CCP, Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, cuja Direção a APCMC integra, e o seu Auditor Jurídico, Prof. Dr. Alberto Sá e Mello, revemo-nos neste Acórdão do STJ, entendendo que o mesmo fixa jurisprudência e doutrina no que respeita à interpretação da «expressão “dias consecutivos” constante, quer do texto do CCT cuja cláusula foi judicialmente apreciada, quer do texto da lei (art. 251.º do Código do Trabalho)», que «deve ser interpretada no sentido de que se trata de dias consecutivos, e não de dias úteis». (sic)

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