A Lei 13/2023, de 13 de abril, procedeu, no âmbito da propagandeada e sonante «agenda do trabalho digno», à alteração do Código do Trabalho e de vários diplomas de natureza laboral e conexos, em vigor na sua maioria a partir de 1 de maio de 2023, muitas e muitas mas algumas delas a merecer a viva oposição das Confederações Patronais, que as consideram mesmo inconstitucionais, opinião suportada e confirmada por parecer jurídico de eminentes professores de Direito (Prof. Dr. Pedro Romano Martinez e Prof. Dr. Luís Gonçalves da Silva), que é também a nossa e a de muitos outros e que esperamos o Tribunal Constitucional declare, sem sede de fiscalização sucessiva ou concreta.
As alterações, como referimos em número significativo, incidem sobre os Códigos do Trabalho (é a 19.ª…), de Processo de Trabalho e do Contributivo, sobre o RGIT, Regime Geral das Infrações Tributárias, regime geral das contraordenações laborais e de segurança social, regimes do serviço doméstico, do acolhimento familiar, de realização dos estágios profissionais e do relativo ao exercício e licenciamento das agências privadas de colocação e das empresas de trabalho temporário, estatuto da ACT e ainda sobre mais alguns diplomas.
As alterações ao Código do Trabalho (CT) e legislação complementar mereceram já a análise e informação da CCP, Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, cuja Direção a APCMC integra, da autoria do seu auditor jurídico Prof. Dr. Alberto Sá e Mello, cuja leitura atenta recomendamos e que pode ser consultada aqui.
Aqui pode consultar o Comunicado do CNPC, Conselho Nacional das Confederações Patronais, entidade que integra os organismos de cúpula dos setores da agricultura, indústria, comércio e serviços, turismo e construção e imobiliário (CAP, CIP, CCP, CTP e CPCI), sobre a inconstitucionalidade de algumas das alterações efetuadas no CT, designadamente as relacionadas com:
– Novo artigo 338.º-A (proibição do recurso à terceirização de serviços), que não permite o recurso ao outsourcing para satisfação de necessidades que foram asseguradas por trabalhador cujo contrato tenha cessado nos 12 meses anteriores por despedimento coletivo ou por extinção de posto de trabalho;
– Aditamento ao artigo 337.º (remissão abdicativa), que não permite que o trabalhador, salvo em tribunal, abdique de créditos emergentes do contrato de trabalho ou decorrentes da sua cessação;
– Aditamento ao artigo 460.º (Direito a atividade sindical na empresa), alargando o direito a aceder a instalações da empresa na qual não existam trabalhadores filiados para exercício de atividade sindical.
Face à proximidade da data da entrada em vigor da generalidade das alterações, 1 de maio de 2023, permitimo-nos destacar para já as seguintes, sem prejuízo de com mais tempo procedermos ao comentário das demais:
Suspensão de obrigações relativas ao Fundo de Compensação do Trabalho (FCT) e FGCT
Ficam suspensas a partir de 1 de maio e até à entrada em vigor das alterações a aprovar relativas ao respetivo regime jurídico as obrigações relativas à adesão ao FCT, comunicação da admissão de novos trabalhadores, atualização de elementos, pagamento de entregas e suspensão, retoma e dispensa de entregas.
Ficam também suspensas a partir de 1 de maio, mas apenas durante a vigência do acordo de médio prazo para a melhoria dos rendimentos, dos salários e da competitividade celebrado entre governo e parceiros sociais em outubro de 2022 (até 2026), as mesmas obrigações (que eram automáticas) relativas à adesão ao fundo de garantia de compensação do trabalho (FGCT).
Período experimental
Passa a presumir-se que as partes acordam a exclusão do período experimental quando a empresa não cumpre no prazo previsto na lei o dever de comunicação ao trabalhador da duração e das condições do período experimental.
A informação sobre o período experimental, habitualmente referida no próprio contrato individual de trabalho (podendo sê-lo noutro tipo de suporte em papel ou em formato eletrónico e num ou vários documentos), até por remissão para as disposições respetivas do CT, instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (IRCT) ou regulamento interno, deve ser prestada pela empresa até ao 7.º dia subsequente ao início da execução do contrato.
Outras informações exigidas pelo artigo 106.º do CT, quando todas elas não constem de um único documento, ainda podem ser prestadas pela empresa no prazo de 1 mês contado do início da execução do contrato, a saber:
– Duração das férias ou o critério para a sua determinação
– Prazos de aviso prévio e requisitos formais a observar pela empresa e trabalhador para a cessação do contrato, ou o critério para a sua determinação
– Número da apólice de seguro de acidentes de trabalho e identificação da entidade seguradora
– IRCT aplicável, se houver, e a designação das respetivas entidades celebrantes
– Identificação do Fundo de Garantia de Compensação do Trabalho (FGCT)
– No caso de trabalhador temporário, a identificação do utilizador
– Direito individual a formação contínua
– Regimes de proteção social, incluindo os benefícios complementares ou substitutivos dos assegurados pelo regime geral de segurança social
– Parâmetros, os critérios, as regras e as instruções em que se baseiam os algoritmos ou outros sistemas de inteligência artificial que afetam a tomada de decisões sobre o acesso e a manutenção do emprego, assim como as condições de trabalho, incluindo a elaboração de perfis e o controlo da atividade profissional
Lembramos que o período experimental, que corresponde ao tempo inicial de execução do contrato, tem a duração máxima de:
– 90 dias para a generalidade dos trabalhadores
– 180 dias para os trabalhadores que (i) exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação, (ii) desempenhem funções de confiança ou (iii) estejam à procura de 1.º emprego e desempregados de longa duração
– 240 dias para trabalhador que exerça cargo de direção ou quadro superior
– 30 dias em caso de contrato a termo com duração não inferior a 6 meses
– 15 dias em caso de contrato a termo certo com duração inferior a 6 meses ou de contrato a termo incerto cuja duração previsível não ultrapasse tal limite.
O período experimental previsto para trabalhadores à procura de 1.º emprego e desempregados de longa duração passa a ser reduzido ou excluído consoante a duração de anterior contrato de trabalho a termo, celebrado com empregador diferente, tenha sido igual ou superior a 90 dias.
O período experimental passa também a ser reduzido consoante a duração do estágio profissional com avaliação positiva, para a mesma atividade e empregador diferente, tenha sido igual ou superior a 90 dias, nos últimos 12 meses.
Contagem do período experimental (art. 113.º CT)
1 – O período experimental conta-se a partir do início da execução da prestação do trabalhador, compreendendo ação de formação determinada pelo empregador, na parte em que não exceda metade da duração daquele período.
2 – Não são considerados na contagem os dias de falta, ainda que justificada, de licença, de dispensa ou de suspensão do contrato.
Licença parental exclusiva do pai
Passa de 20 dias úteis obrigatórios + 5 facultativos para 28 dias seguidos obrigatórios + 7 facultativos.
É obrigatório o gozo pelo pai de uma licença parental de 28 dias, seguidos ou em períodos interpolados de no mínimo 7 dias, nos 42 dias seguintes ao nascimento da criança, 7 dos quais gozados de modo consecutivo imediatamente a seguir a este. Após o gozo da licença, o pai tem ainda direito a 7 dias de licença, seguidos ou interpolados, desde que gozados em simultâneo com o gozo da licença parental inicial por parte da mãe.
Em caso de internamento hospitalar da criança durante o período após o parto, a licença suspende-se, a pedido do pai, pelo tempo de duração do internamento.
Teletrabalho
Estendido ao trabalhador com filho com deficiência, doença crónica ou doença oncológica o direito a exercer a atividade em regime de teletrabalho, quando este seja compatível com a atividade desempenhada e o empregador disponha de recursos e meios para o efeito.
Dever de o contrato individual de trabalho e o contrato coletivo de trabalho fixarem o valor da compensação devida ao trabalhador pelas despesas adicionais na celebração do acordo para prestação de teletrabalho.
Consideração da compensação, para efeitos fiscais, como custo da empresa e não rendimento do trabalhador até ao limite do valor a definir por portaria (ainda não publicada).
Trabalhador temporário
Consideração de que o trabalho é prestado ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo, e não à empresa de trabalho temporário, quando o contrato de utilização, o contrato de trabalho temporário ou o contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária seja celebrado por empresa de trabalho temporário não titular de licença para o exercício da respetiva atividade.
Faltas
O elenco das faltas justificadas passa a incluir as dadas por motivo de luto gestacional (até 3 dias consecutivos a trabalhadora e o pai trabalhador).
É «corrigida» a redação do art. 251.º dada pela Lei 1/2022, de 3/1, passando o trabalhador a poder faltar:
– até 20 dias consecutivos, por motivo de falecimento de cônjuge não separado de pessoas e bens ou equiparado, filho ou enteado
– até 5 dias consecutivos, por motivo de falecimento de parente ou afim no 1.º grau na linha reta não referidos supra.
As faltas por motivo de doença passam a poder ser comprovadas por declaração dos serviços digitais do Serviço Nacional de Saúde, que é feita mediante autodeclaração de doença, sob compromisso de honra, que apenas pode ser emitida quando a situação de doença do trabalhador não exceder os 3 dias consecutivos, até ao limite de duas vezes por ano.
Trabalho suplementar
O trabalho suplementar superior a 100 horas anuais passa a ser remunerado com os acréscimos de 50% (1.ª hora ou fração) e 75% (hora ou fração subsequente), nos dias úteis, e de 100% (qualquer hora) em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em feriado (o dobro dos acréscimos anteriores). O CCT da APCMC consagra há muito estes acréscimos desde a primeira hora.
Compensação pela cessação do contrato
Aumenta de 18 para 24 dias da retribuição base e diuturnidades por ano completo de antiguidade a compensação devida ao trabalhador pela caducidade de contrato a termo, certo ou incerto, que não decorra de declaração deste.
Aumenta de 12 para 14 dias da retribuição base e diuturnidades por ano completo de antiguidade a compensação devida ao trabalhador em caso de despedimento coletivo, por extinção de posto de trabalho ou por inadaptação, aplicando-se o novo valor à antiguidade posterior a 1 de maio de 2023.
Trabalho doméstico
É reduzido de 44 para 40 horas o limite do período normal de trabalho semanal.
Comunicação à ACT de contrato celebrado com estrangeiro
Cessa o dever de comunicar à ACT a celebração e a cessação de contrato de trabalho celebrado com trabalhador estrangeiro ou apátrida.
Criminalização da não comunicação da admissão de trabalhadores à segurança social
Nos termos do novo artigo 106.º-A do RGIT, o empregador que não comunique à segurança social a admissão de trabalhadores, nos termos previstos, no prazo de 6 meses subsequentes ao termo do prazo legalmente previsto, é punido com as penas previstas para o crime de abuso de confiança (prisão até 3 anos ou multa até 360 dias).