Adicional ao IMI – Análise técnica da CCP

A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) procedeu à divulgação do parecer técnico do respetivo Gabinete Fiscal sobre a proposta de Adicional ao IMI que o Governo inclui na sua proposta de Orçamento do Estado para 2017, que, pelo seu interesse, passamos a reproduzir na íntegra:

«ADICIONAL AO IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS

AS ORIGINALIDADES DE UM NOVO IMPOSTO

A Proposta de Lei n.º 37/XIII (OE-2017), recentemente entregue na Assembleia da República, prevê a criação de um designado Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis.

Este Adicional começou por ser apresentado como uma medida “desenhada para ser uma forma de imposto sobre grandes fortunas, neste caso, grandes fortunas imobiliárias”, destinada “ao imobiliário de luxo”, mas ao longo da sua conceção parece ter passado por inúmeras vicissitudes.

 

A Proposta apresentada na Assembleia da República prevê que o Adicional incida sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.

São seus sujeitos passivos as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietárias, usufrutuárias ou superficiárias de prédios urbanos situados no território português.

Ora, os impostos sobre o património ou sobre as grandes fortunas, nos poucos países da União Europeia, onde existem, como é o caso da França (impôt de solidarité sur la fortune) e de Espanha (impuesto sobre el patrimonio) incidem exclusivamente sobre o património das pessoas singulares, abrangem, de um modo geral, o património líquido do sujeito passivo, não se circunscrevendo portanto ao património imobiliário, e são impostos progressivos, o que não é manifestamente o caso do adicional proposto.

Contrariamente ao que acontece com a generalidade dos impostos de periodicidade anual, em que o facto gerador do imposto ocorre a 31 de dezembro de cada ano, neste caso o valor tributável dos prédios que constam nas matrizes prediais na titularidade do sujeito passivo corresponde à soma dos valores patrimoniais tributários, reportados a 1 de janeiro do ano a que respeita o Adicional.

 

Logo, o Adicional relativo ao ano de 2017 será liquidado no mês de junho para pagamento em setembro, antes do termo do ano a que se reporta e antes da liquidação do IMI relativo ao mesmo ano (2017), que, nos termos do artigo 113.º do CIMI é liquidado nos meses de Fevereiro e Março do ano seguinte àquele a que se reporta o imposto, isto é, será liquidado em 2018.

É caso para dizer que, ao contrário do que acontece na relação entre impostos principais e acessórios, “accessorium principale sequitur”, o Principal, aqui, segue o Acessório: o Adicional (acessório) é liquidado e exigível muito antes do IMI, o imposto principal e de que aquele é supostamente adicional.

Ainda no plano doutrinal, sendo um “adicional” ao IMI, seria suposto, de acordo com Casalta Nabais, Direito Fiscal, Almedina (2016), que incidisse sobre a coleta do imposto principal, ou, se se tratasse de um “adicionamento” que incidisse sobre a matéria coletável do imposto principal, o que não acontece, e que pode levar a concluir que não estamos perante um imposto acessório, mas perante um imposto autónomo, como sucedeu com a sobretaxa de IRS.

Com efeito, este acréscimo não é liquidado conjuntamente com o imposto principal, pode ter diferentes sujeitos passivos relativamente ao período fiscal, bastando que o prédio seja transmitido entre 1 de janeiro e 31 de dezembro do ano em causa e não incide sobre a mesma matéria coletável.

Neste último caso, porque a Proposta contempla uma exclusão tributária para os prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como para os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino. E, para além disso, à soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos, sujeitos a imposto, é deduzida a importância de € 600 000,00, por sujeito passivo, pessoa singular ou coletiva, e € 1 200 000,00, no caso de sujeitos passivos casados ou unidos de facto que optem pela tributação conjunta.

No que respeita aos sujeitos passivos abrangidos pelo RETGS, também o Adicional inova relativamente a outros impostos acessórios, como é o caso da derrama municipal e da derrama estadual prevista no Código do IRC. Enquanto, para estes impostos acessórios, não releva o rendimento global apurado no âmbito do grupo, incidindo a tributação sobre o rendimento de cada uma das empresas que o constitui, para efeitos do Adicional, o grupo é “personalizado” incidindo o Adicional sobre a soma dos valores patrimoniais das empresas que constituam o grupo, sem que, cada uma delas, possa fazer a dedução correspondente à importância de € 600 000,00.

Nas sociedades de simples administração de bens, sujeitas ao regime de transparência fiscal, o Adicional esquece tal regime e penaliza-as, não lhes permitindo a dedução da importância de € 600 000,00, sem nenhuma justificação na própria lógica do tributo e releva de total incoerência.

Sendo opções jurídicas distintas, obviamente incoerentes, parece unificá-las um denominador comum: o legislador opta, caso a caso, pela solução que previsivelmente arrecada mais receita.

Mas mais original ainda, é a impossibilidade das entidades que não tenham a sua situação tributária regularizada de poderem deduzir a referida importância, sendo tributadas sobre a totalidade do seu património, qualquer que seja o seu valor global, transformando o imposto numa autêntica sanção. De há muito a dogmática tributária excluiu do conceito de imposto o elemento sancionatório e não se percebe este retrocesso civilizacional.

No que se refere às pessoas coletivas, o legislador opta por afastar do âmbito do imposto as sociedades que têm prédios afetos a atividades industriais e ao turismo, sujeitando a imposto as entidades que detêm prédios urbanos para habitação, comércio, serviços ou outra afetação.

Todavia, permite uma dedução à coleta em sede de IRC, correspondente à fração do IRC relativa a prédios arrendados, o que privilegia, curiosamente, os grupos de empresas que têm os seus imóveis em sociedades imobiliárias e os arrendam às empresas do grupo, acabando o Adicional, por ser efetivamente suportado pelas empresas que, não tendo dimensão para o efeito, têm os imóveis no seu balanço.

Também no que se refere à taxa do imposto, fixada em 0,3%, constitui um desagravamento fiscal para os sujeitos passivos com prédios para habitação de valor superior a € 1 000 000,00 e um agravamento da tributação dos sujeitos passivos que têm prédios de menor valor patrimonial, o que constitui uma forma original de tributar o “imobiliário de luxo”.

A tipologia dos impostos portugueses, a manter-se-lhe a configuração engendrada na Proposta, vai ser “enriquecida” com um “case study” que ficará na história do direito fiscal português como um marco na sua e(in)volução.»

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