IVA – Faturas relativas a prestações de serviços. Exercício do direito de dedução

Pelo seu manifesto interesse, passamos a reproduzir a Circular nº 11/2017 do Gabinete Fiscal («N. Pinto Fernandes, M. Faustino & J. Durão, Consultores Fiscais, Lda.») da CCP, Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, sobre a atitude frequente da AT em obstar ao exercício do direito de dedução do IVA com a justificação de que as faturas relacionadas com prestações de serviços não reúnem os requisitos previstos na alínea b) do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA.

 

«A “tributação” da inobservância de requisitos formais

1. Nas doutas palavras de José Guilherme Xavier de Basto, “cada factura com menção de imposto, constitui um cheque sobre o tesouro, pois atribui ao destinatário que seja sujeito passivo o direito de deduzir o IVA nela contido”.

2. Com efeito, o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que o adquirente dos bens ou serviços possa deduzir o imposto pago a montante pelo transmitente ou prestador de serviços, o que transforma cada fatura num cheque para o adquirente na medida em que através dela pode exercer o direito à dedução, tributando-se, assim, o valor acrescentado em cada fase do processo produtivo.

3. Vem esta introdução a propósito de algumas correções que a administração fiscal tem vindo a fazer, de forma recorrente, alegando que faturas relacionadas com prestações de serviços não reúnem os requisitos previstos na alínea b) do n.º 5 do artigo 36.º, e, assim, obstar a que o direito à dedução possa ser exercido.

4. Como se sabe, a referida norma determina que as faturas devem conter a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável.

5. Se no caso dos bens transmitidos a questão pode não levantar grandes dificuldades de cumprimento porque os bens são, em geral, facilmente quantificáveis através de unidades de medida (metros, quilos, etc.) já o mesmo não acontece com as prestações de serviços que não são, propriamente, mensuradas ao metro ou ao quilo.

6. Aliás, na versão do artigo 226.º da Diretiva 2006/112, CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (Diretiva IVA), de uma forma mais explícita refere-se que a fatura deve conter “A quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados”, já que os serviços prestados, como é óbvio, não são mensuráveis em “quantidades”.

7. Mas, partindo de uma mera interpretação literal da norma, com o argumento de que as faturas não contêm a “unidade de medida dos serviços prestados” a administração fiscal tem vindo a desconsiderar o direito à dedução do IVA no adquirente dos serviços, alegando que a fatura não reúne os requisitos previstos na alínea b) do n.º 5 do artigo 36.º.

8. Ora, importa, desde logo, recordar que a finalidade de tal descrição se esgota fundamentalmente, como decorre do referido artigo 36.º, na “determinação da taxa aplicável” e, assim sendo, não havendo dúvidas quanto à taxa do IVA a que estão sujeitas tais prestações de serviços, qualquer erro ou omissão na descrição não deveria, a nosso ver, ter interferência no exercício do direito à dedução pelo adquirente desses serviços.

9. A questão já subiu ao Tribunal de Justiça da União Europeia na sequência de um pedido de decisão prejudicial, por coincidência, ou não, apresentado por um Tribunal português: o Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD), que deu origem ao Processo C-516/14.

10. Neste Processo, para além da verificação no caso concreto sobre o preenchimento do requisito previsto na alínea b) do n.º 5 do artigo 36.º, o Tribunal debruçou-se sobre as implicações no exercício do direito à dedução.

11. Recordou o Tribunal que “segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito dos sujeitos passivos a deduzir do IVA de que são devedores o IVA devido ou pago sobre os bens adquiridos e os serviços que lhes foram prestados a montante constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União”.

12. É certo que, como observou o Tribunal, no que respeita aos requisitos formais relativos ao exercício do referido direito, resulta do artigo 178.°, alínea a), da Diretiva 2006/112, que o seu exercício está subordinado à posse de uma fatura emitida nos termos do artigo 226.° desta diretiva.

13. Não obstante, recordou o Tribunal que “o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito”.

14. Por isso refere ainda o Tribunal que “a Administração Fiscal não pode recusar o direito à dedução do IVA pelo simples facto de a fatura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.os 6 e 7, da Diretiva 2006/112, se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos. A este respeito, a Administração Fiscal não deve limitarse ao exame da própria fatura. Deve igualmente ter em conta informações complementares prestadas pelo sujeito passivo”.

15. Por fim, concluiu que “O artigo 178.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.ºs 6 e 7, desta diretiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos”.

16. Por isso, não se pode apreciar esta temática de faturas que titulam prestações efetivamente realizadas, no mesmo plano das faturas falsas.

17. Estas poderão igualmente conter uma descrição mais ou menos vaga das operações supostamente realizadas, decorrente da circunstância de se tratar justamente de uma operação simulada, mas, neste caso, a legítima negação do direito à dedução deve ser feita com fundamento no facto de se tratar de uma operação simulada, cujo direito à dedução não pode, como se sabe, ser exercido por força do disposto no n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, embora se possa compreender que seja mais fácil às autoridades fiscais invocar a inobservância de requisitos formais da fatura do que demonstrarem a simulação.

18. Considerando, como refere a Advogada-Geral no Processo 516/14, “que, numa situação em que não há dúvida de que se verificam os requisitos materiais do direito à dedução, a função de controlo de uma fatura está claramente ultrapassada, na medida em que a fatura serve para controlar a existência do direito à dedução”, já não parece legítima a negação do direito à dedução do IVA ao adquirente dos serviços nos casos em que não existam dúvidas quanto à sua realização, passando tal correção a consubstanciar uma arrecadação de imposto pela alegada inobservância de requisitos formais, suportada pelo adquirente dos serviços, ao invés de ser sancionada com uma coima suportada pelo emitente das faturas.»

 

 

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